quinta-feira, 23 de outubro de 2008

O texto de Ricardo Paulouro



Fora de Mim foi apresentado no Fundão por Ricardo Paulouro Neves. Fiquei muito satisfeito por ele ter aceite o meu convite. Além de ser natural do Fundão, o Ricardo é um jornalista de utopias, com espírito de missão. Coordena as revistas Textos & Pretextos e A23.



Estou aqui na qualidade de jornalista, que fala sobre outro jornalista.


Não posso, numa altura como esta, deixar de lembrar a célebre passagem de Hemingway, em 1934 em "Escrito de um velho jornalista", onde se dizia: "Todos os bons livros assemelham-se no facto de serem mais verdadeiros do que se tivessem acontecido realmente, e que, terminada a leitura de um deles, sentimos que tudo aquilo nos aconteceu mesmo, que agora nos pertencem o bem e o mal, o êxtase, o remorso e a mágoa, as pessoas e os lugares e o tempo que fez. Se conseguires dar essa sensação às pessoas, então és um bom escritor."


Falar a partir daqui deste livro de Manuel Halpern é falar de uma obra onde a questão da fronteira entre o real e a ficção é permanentemente colocada em causa. "Fora de mim", a sua estreia na ficção, será um olhar para o que rodeia o sujeito ou será antes outra forma de questionar a distância entre o que está fora e dentro?


Quando terminamos a leitura do livro de Manuel Halpern sentimos exactamente o mesmo que dizia Hemingway – também o livro está fora de nós mas, de algum modo, ele já nos pertence. Depois da escrita para teatro, da encenação ou da escrita sobre música, para além das centenas de crónicas publicadas no Jornal de Letras (um jornal ao serviço da cultura portuguesa, da língua e da lusofonia), Manuel Halpern conseguiu surpreender-nos com um romance sobre o qual, até à última página, duvidamos do tema. A sombra está bem presente desde a primeira página do romance – pares míticos como Romeu e Julieta ou D. Pedro e Inês de Castro servem de modelo a uma história que é, em minha opinião, sobre aquilo que separa (ou não) o amor da morte. Porque, e Halpern di-lo-á de várias formas, o amor não é corruptível nem pela própria morte.


Falta talvez a Halpern um caminho paralelo pelo cinema porque é de imagens cinematográficas que este seu livro se faz. Um desafio a um realizador que tem em mãos uma história onde o enredo se associa a imagens muito fortes que se sobrepõem às grandes questões existenciais que atravessam todo o romance – o que é o amor? Como sobrevive o corpo e a alma à morte? Existirá uma lógica para o amor, para a vida e para a própria morte?


Talvez Halpern não encontre a resposta que se procure ao longo do livro. Mas o livro, como o homem, é inacabado por natureza e sempre aberto ao futuro, dizem alguns filósofos. A matéria-prima, contudo, é sempre a mesma e é isso que faz do romance de Manuel Halpern uma obra promissora: o real é aquilo que se respira, a fonte de inspiração do escritor, como o é do jornalista.


Ricardo Paulouro
Festival Internacional de Cinema Jovem IMAGO, 2008


Foto de Margarida Dias roubada do site da A23

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